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Por que a cannabis pode fazer seu coração disparar

Por que a cannabis pode fazer seu coração disparar

Um dos efeitos colaterais indesejados mais comuns da cannabis, o aumento na frequência cardíaca, também é um dos mais incômodos e pode até afastar novos usuários da planta.

“Se você não explicar ao novo usuário que é possível sofrer uma pequena aceleração do coração por talvez 5 ou 10 minutos e que não há nada para se preocupar”, afirmou Janosch Kratz, MD, no podcast The Cannabis Enigma, “ele fica nervoso e diz: ‘Oh, Deus, por que eu tomei essa droga’.”

Para um indivíduo saudável, a taquicardia induzida por cannabis é geralmente inofensiva. E saber mais sobre o que a cannabis está fazendo ao seu corpo pode fazê-lo sentir-se melhor sobre essa sensação desagradável.

Assim, por que a cannabis aumenta sua frequência cardíaca? É perigoso? E o que você pode fazer a respeito? Descubra a seguir.

Como a cannabis pode afetar o seu coração 

A cannabis pode provocar uma série de efeitos colaterais comuns, variando de leves, como olhos vermelhos, boca seca ou larica, a efeitos potencialmente mais desagradáveis, como ansiedade, paranóia e dificuldades de memória de curto prazo.

Esses efeitos colaterais, e como a cannabis afeta o sistema cardiovascular, estão relacionados à forma como ela modula o que é conhecido como sistema endocanabinoide. Este influencia uma ampla gama de funções corporais, incluindo fome, dor, sono e energia, para citar alguns.

Os principais produtos químicos ativos da cannabis, os canabinoides, são capazes de ativar os receptores que fazem parte do sistema endocanabinoide, alterando seu funcionamento e também o dos sistemas conectados, incluindo o sistema cardiovascular.

“As interações do sistema endocanabinoide com o sistema nervoso autônomo parecem ser a força motriz por trás dos efeitos cardiovasculares adversos relatados [da cannabis]”, escreveu um grupo de pesquisadores que recentemente revisou anos de estudos sobre a cannabis1.

Por que a cannabis faz seu coração disparar

A frequência cardíaca aumentada ou irregular, também conhecida como taquicardia, pode ser um efeito colateral do uso de cannabis. Na verdade, fumar maconha pode levar a um aumento de 20% a 100% na frequência cardíaca por algumas horas ou mais após o consumo2. Acredita-se que isso seja devido a um alargamento dos vasos sanguíneos, o qual também é responsável pelos olhos vermelhos comuns em pessoas que acabam de fumar cannabis.

Em doses mais altas, a cannabis também pode levar à queda na pressão arterial, resultando em tonturas e vertigens. O principal responsável por esses efeitos da cannabis é o tetrahidrocanabinol (THC), canabinoide também responsável pela sensação de high.

Um dos relatórios mais citados, embora já defasado, afirma que a inalação da fumaça de cannabis e a ingestão de THC aumentam a frequência cardíaca entre 20% a 50% em relação ao valor basal. Um estudo de laboratório realizado em roedores em 1985 mostrou ainda que o THC altera significativamente os níveis de catecolamina na corrente sanguínea. Estes hormônios produzidos pelas glândulas suprarrenais são responsáveis ​​pela resposta de “luta ou fuga” do ser humano.

A pesquisa também mostrou que, à medida que aumenta a tolerância à cannabis, a gravidade dos efeitos colaterais geralmente diminui. Isso significa que os efeitos colaterais comumente observados na cannabis inalada, incluindo aumento da frequência cardíaca e redução da pressão arterial, não são tão comuns em usuários regulares.

Deve-se notar que quase todos os estudos sobre os riscos do uso de cannabis são baseados em pessoas que inalaram fumaça de maconha e que, com mais e mais pessoas agora preferindo outros métodos e tipos de cannabis, essas avaliações de risco devem ser atualizadas. Em outras palavras, como com alguns outros efeitos colaterais da cannabis, o efeito na frequência cardíaca pode ser parcialmente atribuído ao próprio ato de fumar3.

THC baixo afeta menos a frequência cardíaca?

Uma vez que o THC é frequentemente citado como sendo o responsável pelo aumento da frequência cardíaca, pode-se concluir logicamente que a escolha de cepas de THC baixo, ou o uso de doses mais baixas em geral, ajudaria a mitigar esse efeito. Também levaria a crer que comer alimentos ricos em THC poderia produzir os mesmos efeitos colaterais.

O Dr. Deepak Cyril D’Souza, professor de psiquiatria da Universidade de Medicina de Yale, disse à NBC news em novembro de 2020 que passou 25 anos estudando os efeitos da maconha e do THC e que “em nossos estudos sobre o THC, encontramos um aumento muito robusto na frequência cardíaca e um efeito na pressão arterial que pode ser bastante profundo”.

Um ensaio de 1988 descobriu que mulheres que receberam cigarros de cannabis com THC muito baixo (1,8%) mostraram “aumentos estaticamente significativos na pulsação cardíaca”, e esse aumento foi mais pronunciado e durou mais para participantes com histórico de uso intermitente de maconha4. O ensaio não incluiu uma população de controle que recebeu uma dose mais baixa de THC.

As cepas mais conhecidas e comuns (mais corretamente chamadas de “quimovares”), com alto teor de THC e baixo teor de canabidiol (CBD) e, muitas vezes, criadas para oferecer importantes benefícios medicinais, são cada vez mais chamadas de cannabis Tipo I. Quimovares do tipo II têm mais equilíbrio entre CBD e THC, enquanto os quimovares do tipo III têm CDB dominante com pouco ou nenhum THC.

Todos os tipos de cannabis podem ser usados ​​terapeuticamente, mas os tipos II e III tendem a permitir um melhor controle das doses de THC e são frequentemente preferidos pelos profissionais de saúde devido ao risco reduzido de efeitos colaterais. A cannabis do tipo III, apesar de conter pequenas quantidades de THC, é geralmente considerada não intoxicante.

Homem mede a pulsação cardíaca.
Afirma-se que o CBD, o qual não provoca efeito psicoativo, pode atuar contra os efeitos do THC (Shutterstock)

E quanto ao CBD?

É cada vez mais aceito que o CBD, que não causa um efeito intoxicante, pode neutralizar alguns dos efeitos do THC5. Isso acontece porque o CBD pode realmente modificar a ligação do THC com certos receptores do sistema endocanabinoide.

Em outras palavras, o uso de uma cepa que tem menos THC ou mais de um perfil dominante em CBD deve – em virtude de conter menos THC – produzir uma sensação de entorpecimento menos potente e pode reduzir a ansiedade que comumente acompanha a sensação gerada pelo THC.

No que diz respeito aos efeitos do próprio CBD no coração, um estudo de 2017 descobriu que uma única dose de CBD reduziu a pressão arterial em repouso e ajudou a mitigar a pressão arterial induzida pelo estresse e os aumentos da frequência cardíaca6.

Um estudo abrangente de 2013, publicado na Frontiers in Psychology, analisou a capacidade do CBD de compensar os “efeitos psicoativos adversos do THC” e concluiu que “os poucos estudos que existem sobre os efeitos do CBD mostram que este canabinoide pode neutralizar alguns dos efeitos negativos do THC”.

Sativa ou indica: qual é pior para o seu ritmo cardíaco?

Sabe-se que as variedades de sativa são mais energizantes e as variedades de indica são suaves e provavelmente induzem a sensação de “ficar grudado no sofá”. Inúmeros consumidores de cannabis usam essas caracterizações para moldar seu consumo ou decisões de compra.

Infelizmente, não há muitas evidências científicas para apoiar essa presunção a respeito de indica versus sativa como um método de distinguir entre os efeitos de diferentes tipos de cannabis. Embora existam muitos fatores em jogo para determinar por que um quimovar de cannabis produz certos efeitos, chamá-los de indica ou sativa não é um deles.

O que importa é o perfil canabinoide do quimovar (quanto de THC, CBD e outros canabinoides estão presentes na amostra) e sua composição de terpenos. Os vários terpenos da cannabis não apenas determinam seu sabor e aroma, mas também podem ter um grande impacto em seus efeitos, incluindo o quanto é energético ou sedativo.

Além disso, é importante ter em mente que essa questão é bastante individual. A dose certa para uma pessoa pode ser muito diferente da dose certa para outra, e uma variedade que deixa alguém muito energizado e risonho pode induzir uma sensação de “ficar grudado no sofá” em outros. Além disso, embora uma cepa específica possa ser muito relaxante para uma pessoa, outro usuário pode sentir ansiedade ou paranoia, mas isso não indica que este é um efeito universalmente experimentado por quem ingere a variedade de cannabis em questão. O mesmo diz respeito ao aumento da frequência cardíaca.

A cannabis é perigosa para o coração?

Se você é uma pessoa jovem e saudável, sem histórico de doenças cardíacas, provavelmente não deve se preocupar excessivamente com os efeitos colaterais cardiovasculares do uso de cannabis.

Uma revisão de 2018 da pesquisa existente sobre o uso de maconha e fatores de risco cardiovascular descobriu que há evidências “insuficientes” sobre como a maconha afeta os fatores de risco cardiovascular, incluindo derrame e ataque cardíaco7. Os pesquisadores afirmaram que a literatura atual sobre o assunto é limitada por “viés de memória, avaliação de exposição inadequada, exposição mínima à maconha e predominância de coortes de baixo risco”.

Isso não significa que não haja motivo para preocupação. Na verdade, há uma quantidade substancial de dados que sugerem que a cannabis pode aumentar o risco de doenças cardíacas.

Pesquisadores em 2014 examinaram o relato de complicações cardiovasculares relacionadas ao uso de cannabis e descobriram que eles “indicam a cannabis como um possível fator de risco para doenças cardiovasculares em adultos jovens”8.  Mais recentemente, uma revisão de 2017 discutiu “efeitos prejudiciais do uso de cannabis, incluindo eventos cardiovasculares fatais que podem estar relacionados ao uso de cannabis”, incluindo, mas não se limitando, ao aumento da frequência cardíaca e pressão arterial, e um risco elevado de eventos coronários agudos9.

Os dados de mortalidade relacionados ao coração do U.S. National Vital Statistics System para 1990-2014 mostraram um aumento estatisticamente significativo de 2,4% na taxa de morte cardíaca entre os homens após a aprovação dos programas de cannabis medicinal, bem como um aumento de 1,3% entre as mulheres10.

Outra pesquisa apontou que o uso de cannabis está associado a um risco aumentado de arritmia cardíaca11, bem como acidente vascular cerebral não fatal, ataque isquêmico transitório12 e infarto agudo do miocárdio13. É importante ressaltar que os usuários de cannabis são mais propensos a usar produtos de tabaco do que os não usuários de cannabis, o que pode contribuir para esses resultados cardíacos negativos.

Em geral, se você está pensando em usar cannabis, você deve falar com seu médico sobre os possíveis efeitos colaterais, especialmente se você tiver um histórico de problemas cardiovasculares.

Você pode fazer algo sobre o aumento da frequência cardíaca com a cannabis?

Quando se trata de saúde cardiovascular e cannabis, muitos dos mesmos princípios referentes ao estilo de vida saudável se aplicam: 

  • Tente limitar ou parar de fumar como método de ingestão.
  • Faça exercícios regularmente.
  • Alimente-se de maneira saudável.
  • Tente dormir uma noite inteira com a maior frequência possível.

Se você descobrir que costuma ficar ansioso ou que sua mente (junto com seu coração) dispara quando fica chapado, considere tentar uma variedade com baixo teor de THC ou uma que tenha um equilíbrio entre THC e CBD. Isso ajudará a manter a dose de THC mais baixa e reduzir a probabilidade de sentir o coração ou a mente acelerados.

E quando esses sentimentos intensos o atingirem, use algumas maneiras testadas e comprovadas de diminuir um pouco a onda gerada após o consumo. 

  • Em primeiro lugar, não entre em pânico. Lembre-se de que a sensação de efeito irá passar em breve e esta não é uma condição permanente. 
  • Tente se concentrar na respiração, pois inspirar fundo irá ajudá-lo a relaxar e diminuir a ansiedade. 
  • Você também pode tentar encontrar um programa divertido na TV, colocar um álbum que você adora ouvir.
  • Na dúvida, coma alguns petiscos, o que ajudará a acelerar o fim do efeito do THC.

Sources

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  2. Jones R. T. (2002). Cardiovascular system effects of marijuana. Journal of clinical pharmacology, 42(S1), 58S–63S. https://doi.org/10.1002/j.1552-4604.2002.tb06004.x
  3. Subramaniam, V. N., Menezes, A. R., DeSchutter, A., & Lavie, C. J. (2019). The Cardiovascular Effects of Marijuana: Are the Potential Adverse Effects Worth the High?. Missouri medicine, 116(2), 146–153.
  4. Lex, B. W., Mendelson, J. H., Bavli, S., Harvey, K., & Mello, N. K. (1984). Effects of acute marijuana smoking on pulse rate and mood states in women. Psychopharmacology, 84(2), 178–187. https://doi.org/10.1007/BF00427443
  5. Laprairie, R. B., Bagher, A. M., Kelly, M. E., & Denovan-Wright, E. M. (2015). Cannabidiol is a negative allosteric modulator of the cannabinoid CB1 receptor. British journal of pharmacology, 172(20), 4790–4805. https://doi.org/10.1111/bph.13250
  6. Jadoon, K. A., Tan, G. D., & O’Sullivan, S. E. (2017). A single dose of cannabidiol reduces blood pressure in healthy volunteers in a randomized crossover study. JCI insight, 2(12), e93760. https://doi.org/10.1172/jci.insight.93760
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  12. Hemachandra, D., McKetin, R., Cherbuin, N., & Anstey, K. J. (2016). Heavy cannabis users at elevated risk of stroke: evidence from a general population survey. Australian and New Zealand journal of public health, 40(3), 226–230. https://doi.org/10.1111/1753-6405.12477
  13. Mittleman, M. A., Lewis, R. A., Maclure, M., Sherwood, J. B., & Muller, J. E. (2001). Triggering myocardial infarction by marijuana. Circulation, 103(23), 2805–2809. https://doi.org/10.1161/01.cir.103.23.2805
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